segunda-feira, 30 de julho de 2007

Adeus aos mestres

Foi anunciada hoje a morte de um dos maiores cineastas da atualidade. Ingmar Bergman sai de cena aos 89 anos e deixa uma vasta obra para deleite de cinéfilos mundo a fora. Embora tenha se aposentado do cinema em 1982 com Fanny e Alexander, continuou trabalhando na televisão e no teatro onde iniciou sua promissora carreira. Mesmo assim, alguns de seus filmes para a TV forma lançados também na tela grande como seu último trabalho Saraband que resgata a história dos personagens de Cenas de um Casamento, série criada por ele próprio e lançada na TV em 73. Responsável por obras magistrais como Gritos e Sussurros, O Sétimo Selo, Sonata de Outono, Morangos Silvestres e Persona, o diretor sueco vai fazer falta, mas deixou, indiscutivelmente, a sua marca na história do Cinema.

E eis que o dia passa e mais uma baixa é anunciada no campo dos grandes cineastas. O italiano Michelangelo Antonioni também morreu nesse início de semana, exatamente no mesmo dia em que Bergman nos deixou. Responsável por uma obra apreciada no mundo todo, Antonioni começou a ser notado a partir do final da década de 50 por construir um estilo próprio e pelos vários prêmios com os quais foi agraciado nos maiores festivais do mundo (Cannes, Veneza e Berlim). É dele a trilogia da incomunicabilidade composta por A Aventura, A Noite e O Eclipse, que o elevou ao status de grande mestre do cinema. Depois, filmando em inglês, criou novas obras-primas como Blow Up – Depois Daquele Beijo e Profissão: Repórter. Outra perda irreparável, num mesmo dia. De fato, o começo da semana não foi nada agradável.

Postado por Rafael Carvalho

Visita ao Irã

Há algum tempo o cinema feito no Irã ganhou prestígio ao redor do mundo através de realizadores como Abbas Kiarostami, Mohsen Makhmalbaf, Majid Majidi e outros que estavam e ainda estão sempre presentes nos maiores e melhores festivais de cinema do planeta. Um desses grandes diretores é Jafar Panahi, que com seu estilo seco e objetivo, capta as contradições e mazelas de seu país. É dele os três filmes comentados abaixo que tive a oportunidade de ver recentemente e me admirei com sua qualidade em retratar os dramas pessoais daquele povo, imerso nunca cultura tão diferente da nossa.


O Círculo (Dayereh, IRA, 2000)


Com esse filme (Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2000), o diretor constrói um interessante exercício de estilo ao narrar a história de mulheres que saíram da prisão e precisam ser aceitas de volta na sociedade. A partir daí, o filme vai nos apresentando a outras personagens, cada qual com seus dramas, formando um círculo vicioso de degradação humana. Assim, a figura feminina, com sua fragilidade exposta num país que a reprime ao extremo, é o centro de discussão do longa. É angustiante ver aquelas personagens jogadas à própria sorte enquanto buscam uma direção a tomar. A história deixa sim muitas questões sem explicação exata, mas me parece ser um filme de perguntas, não respostas, com a evidente intenção de tocar numa ferida. E garanto que é uma experiência das mais gratificantes.


Ouro Carmim (Talaye Sorkh, IRA, 2002)


Ouro Carmim é uma narrativa sutil tendo como figura central um homem que vive do roubo durante o dia e à noite entrega pizzas nos bairros mais luxuosos da capital Teerã. A partir daí, Panahi escancara as diferenças entre ricos e pobres e ainda ataca o sistema político controlado pelo regime autoritário dos aiatolás. O filme começa com uma cena de roubo seguida do suicídio do próprio ladrão. A seguir, acompanharemos os fatos que levaram àquela situação. Há cenas longas que podem parecer chatas, mas se revelam bastante significativas para a história, como a seqüência da entrega de pizzas numa festa ou a quase surreal visita a um suntuoso apartamento. Momentos assim nos deixam estarrecidos pelo inusitado da situação e agraciados com o talento do diretor.


Fora do Jogo (Offside, IRA, 2006)


Lançado esse ano nos cinemas brasileiros, Fora do Jogo continua investindo na figura feminina, mas agora é também sobre a paixão ao futebol. Durante as eliminatórias para a Copa de 2006, a equipe do Irã briga por uma vaga no Mundial. Acompanhamos, assim, a história de algumas garotas, apaixonadas pelo esporte, que querem muito ver a partida, mas são barradas já que mulheres não são permitidas em estádios. Com um tom levemente documental, Panahi fez aqui um filme mais leve, embora não deixe de alfinetar o sistema, mais uma vez discutindo o papel da mulher em sua sociedade; e é através delas que testemunhamos, com alegria, a alegria de um povo diante de uma vitória.


Postado por Rafael Carvalho

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Amores parisienses

Paris, Te Amo (Paris, Je T'aime; FRA, ALE, SUI; 2006)
Cotação: 7/10



Pegue 22 talentosos cineastas de países diferentes, jogue-os na bela e apaixonante Paris e lhes peça que filmem uma curta história de amor. O resultado é um filme agradável com a maioria das histórias acima da média, principalmente se levarmos em consideração o pouco espaço de tempo que cada diretor tinha (os segmentos têm em média cinco minutos). E a própria idéia de reunir pessoas com visão e estilo diferentes com liberdade total para criar já é interessante por si só.

Composto por 18 curtas que recebem nomes de bairros e locais da capital francesa, Paris, Te Amo é um filme leve e, claro, diverso, mas que consegue se manter coeso e fiel à proposta original. As situações são as mais diversas: alegre, melancólicas, engraçadas, assustadoras. Amores se perdem, se transformam, resistem ao tempo; outros, à espera de concretização.











O filme começa mediano, mas vai se encontrando aos poucos. Montmartre abre o longa e sugere um encontro inusitado entre um sujeito angustiado e solitário com uma mulher que desmaia ao lado de seu caro. A diretora queniana Gurinder Chadha faz um jovem francês se enamorar por uma garota mulçumana, deixando clara a idéia de tolerância com a jovem em defesa de sua fé e os hábitos de sua religião. O humor irônico, inteligente e nonsense dos irmãos Coen surge com um Steve Buscemi, com cara de pateta, passando por maus bocados numa estação de metrô. Já Gus Van Sant, com muita simplicidade e sem exageros estéticos, nos dá a possibilidade de um relacionamento entre dois rapazes com uma surpresinha no fim, engraçada e interessante.

Como se trata de um filme episódico, há sempre alguns segmentos decepcionantes. Walter Salles (ele mesmo que eu adoro) em parceria com Daniela Thomas conta a luta de uma babá (Catalina Sandino Moreno) que precisa deixar seu filho numa creche para cuidar de outra criança. Ao fim, fica a sensação de que a história foi pouco aproveitada, embora seja muito bem dirigida. Mas até agora não sei como um curta tão idiota como Porte de Choisy, de Christopher Doyle foi parar aqui. O encontro entre uma modelo chinesa e um vendedor de produtos de beleza é totalmente dispensável e de mau gosto.

Maggie Gyllenhall está ótima na pele da atriz norte-americana viciada, filmada com a câmera nervosa de Olivier Assayas. Já a excelente Juliette Binoche é desperdiçada em Places des Victoires vivendo uma mãe que perdeu seu filho recentemente, numa história lúdica de superação; pena que os dois curtas não são tão bons quanto bem atuados. Lúdico mesmo é a história do mímico solitário que busca uma parceira pelas ruas de Paris e vai encontrar seu amor numa prisão. Em outro estranho ambiente, um clube de striptease, um casal em crise tenta acender a chama do amor, contando com a
presença em cena dos ótimos Fanny Ardant e Bob Hoskins.

Há algo de melancolicamente belo na história de um homem que precisa estar ao lado de sua mulher num momento difícil e precisa aprender a se reapaixonar por ela. Há também algo de cinicamente oculto no segmento enfocando o casal que decide se separar, mas deixa evidente o desentendimento entre ambos, mesmo que sutilmente (ótimos desempenhos de Ben Gazzarra e Gena Rowlands). Ambos os curtas são muito bem escritos, com texto elegante e enxuto. Pelo contrário, em Quartier de la Madeleine, não se diz uma palavra, mas Vincenzo Natali constrói muito bem o encontro bizarro de um garoto (Elijah Wood) com uma vampira.

Alfonso Cuarón, em um único plano-sequência, conta com simplicidade o bem-humorado encontro entre pai e filha, com direito a surpresa no final. Place de Fêtes, do africano Olivier Schmitz, por sua vez, é um interessante quebra-cabeça cujas peças vão dando conta do encontro fatídico entre um acidentado e uma enfermeira afro-descendentes de forma tocante. Wes Craven, acostumado a filmes de terror, surpreende com a discussão da relação de um jovem casal num cemitério, com direito a fantasma de Oscar Wilde (vivido por Alexander Payne). Mas é o diretor alemão Tom Tykwer quem cria um dos melhores segmentos do filme, com um rapaz cego cuja namorada (Natalie Portman, linda) decide romper o namoro. Passa, então, por sua cabeça todos os momentos bons por que passaram juntos. Esse me fez pensar o quanto é importante dar valor as coisas que temos antes que seja tarde demais.




E para finalizar o projeto, nada melhor que o melhor. Paris, Te Amo deixa para o final uma pequena pérola, em meio a tanta coisa boa. Alexander Payne, de forma primorosa, dá vida às peripécias de uma turista norte-americana um tanto burrinha. Primeiro, com alívio cômico (é hilária a cena em que ela visita o túmulo de Sartre), além de outras tiradas inteligentes, para no fim revelar a descoberta do amor de sua personagem pela cidade de forma simples e ao mesmo tempo tocante. É a celebração do amor em seu estado mais puro.


E aí, por qual deles vocês se apaixonaram mais?

Postado por Rafael Carvalho

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Poesia melosa

O Tigre e a Neve (La Tigre e la Neve, ITA, 2005)
Dir: Roberto Benigni
Cotação: 4/10


Roberto Benigni é um ótimo ator aliado ao ótimo texto que ele mesmo escreve. Suas tiradas são engraçadas e inteligentes, e ninguém melhor do que ele próprio para encarnar o personagem atrapalhado e isento de malícias de seus filmes. Pena que nesse seu novo trabalho o resultado não seja tão satisfatório, pois fica clara a óbvia intenção de forçar o espectador a se emocionar.


Isso, aliás, é bastante estranho vindo do cara responsável pelo excelente A Vida é Bela que aliava magnificamente bem o humor e a emoção, numa história trágica, porém bonita. Em O Tigre e a Neve ele vive Attilio, um poeta que tenta reconquistar sua ex-mulher (interpretada por Nicoletta Braschi) com a qual tem duas filhas. Quando ela viaja ao Iraque e é ferida durante os bombardeios norte-americanos de 2003, ele parte em seu socorro.

Atrapalhado, ele vai contar com a ajuda de seu amigo Fuad (vivido pelo ator francês Jean Reno) para encontrar sua amada e reconquistar seu amor. São nesses momentos que a história vai ficando melosa e bobinha, auxiliada pela trilha sonora um tanto piegas.

Benigni (que lembra Woody Allen por roteirizar seus próprios filmes e criar um alter ego seu, interpretando-o como ninguém – mas cada qual com seu estilo peculiar, que se diga logo) confere graça a seu personagem, embora se repita. Pena que Nicoletta Braschi (esposa de Benigni e produtora do filme) não possua o mesmo talento. Confesso ter pensado, no início do filme, que a personagem sofria de alguma doença na cabeça, mas essa minha impressão não se concretizou.

Outra ressalva que se faz é em relação à montagem que parece confusa no início mas vai se ordenando à medida em que o filme transcorre. Pelo menos, ao fim, nenhuma ponta da história fica solta. Mas o que realmente é difícil de perdoar são os fracos efeitos digitais utilizados para criar elementos de cenas (aquela neve...). Deram um ar um tanto falso à história, reduzindo o encanto.

O Tigre e a Neve tenta repetir a façanha de A Vida é Bela (impossível não fazer essa comparação), mas está longe de conseguir. Assim, fica a sensação de que se o filme se baseasse somente no talento de seu diretor-ator-roteirista para a comédia alegórica, o resultado poderia ser bem mais agradável.
Postado por Rafael Carvalho