sexta-feira, 31 de agosto de 2007

A serviço de uma pátria

O Bom Pastor (The Good Shepherd, EUA, 2006)
Dir: Robert De Niro




Com Desafio no Bronx, de 1993, Robert De Niro estréia na direção com o pé direito, embora o resultado tenha sido apenas mediano. Mas somente 13 anos depois ele volta a trabalhar atrás das câmeras e pelas qualidades de O Bom Pastor, o tempo lhe fez muito bem. Seu segundo filme conta com uma produção bem melhor é bastante audacioso: focar as três primeiras décadas do surgimento da CIA que acompanhamos através da entrada do agente Edward Wilson (Matt Damon, ótimo) na corporação.

O filme já começa no ano de 1961 quando a CIA investiga os motivos para o fracasso da ocupação de Cuba durante a famosa invasão da Baía dos Porcos; tudo indica que há um espião dentro da própria organização. Mas aí o filme se utiliza de constantes flashbacks para, duas décadas antes, mostrar o surgimento da CIA, o entrada de Edward e o treinamento deste no Serviço de Inteligência inglês durante a Segunda Grande Guerra.

Desde o início, somos testemunhas do sacrifício com que o protagonista assume o seu perigoso e ultra-secreto ofício em detrimento de sua família e de sua própria felicidade. Somos apresentados a um personagem que raramente ri e cheio de dilemas morais, sempre envolvendo a relação com aqueles que estão mais próximos. Sua mulher (Angelina Jolie) mal o conhece e sua relação com o filho é de distanciamento.

Vale ressaltar aqui a excelente reconstrução de época com uma direção de arte primorosa (única indicação no último Oscar). Pena que o filme se estenda por um tempo muito longo, o que pode cansar o espectador. É preciso muita atenção para não deixar passar os mínimos detalhes que ajudam a desenvolver a narrativa. Depois dessa ótima experiência, espera-se que De Niro continue assim, tão bom atrás das câmeras quanto o é na frente delas.

Postado por Rafael Carvalho

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

"Um filme ousa ser feio"

Os Simpsons – O Filme (The Simpsons Movie, 2007)
Dir: David Silverman




A primeira sensação dos admiradores da série ao se sentarem na poltrona do cinema certamente é de medo, afinal adaptações sempre são arriscadas e ver Os Simpsons na lista das mal sucedidas seria realmente uma pena. Bem...Respiremos aliviados! Os Simpsons - o filme supera as expectativas e cativa por manter a linha irreverente e irônica da série original.


O enredo é envolvente e mantém as críticas afiadas como de costume. Logo no começo, Hommer despeja um contundente discurso sobre a obrigação de ir à missa, questionando a necessidade de fazê-lo e confrontando ao mesmo tempo as religiões e o puritanismo da sociedade americana – excelente! -, sem contar o comentário sobre a Bíblia: “Esse livro não tem nenhuma resposta”.

O governo não fica de fora e é atacado durante todo o filme, sendo acusado de tomar decisões aleatórias e que não levam em consideração a situação das pessoas envolvidas (impossível não remeter à realidade dos iraquianos). O meio ambiente também teve seu destaque: interessantíssima a provação enfrentada por Hommer – rosquinhas de graça ou fazer a coisa certa pelo meio-ambiente? – Mais uma vez uma espetada no governo e em cada cidadão que ignora os avisos (como Hommer fez com as placas) do perigo da poluição.

Assuntos sérios à parte, as risadas são garantidas e se mantém por todo o filme. Como não citar o “Porco-aranha” e a cena em que Bart anda de Skate nu pela cidade enquanto vários obstáculos nos impedem de vê-lo “por completo”?

Enfim, se você quiser cometer a idiotice de pagar pra ver o que pode ver de graça em casa, vale à pena!


Por Andressa Cangussú

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Matança

Histórias de serial killer baseadas em fatos reais são muito comuns no cinema e por isso acabam se tornando repetitivas. Isso se os realizadores não forem competentes o suficiente para contarem suas histórias de forma criativa. Bons exemplos são o novo filme de David Fincher e o trabalho que deu visibilidade ao realizador sul-coreano Bong Joon-ho. Zodíaco e Memórias de um Assassino, cada qual a sua maneira, possuem vários aspectos em comum, mas é o estilo de seus diretores que garantem a qualidade das produções.

Zodíaco (Zodiac, EUA, 2007)
Dir: David Fincher




São poucos os filmes de quase três horas de duração que conseguem manter um mesmo ritmo e o espectador atento. Zodíaco é um desses trabalhos graças a um esforço conjunto. David Fincher, sem maneirismos ou exageros, constrói com muito controle uma narrativa sóbria sobre a investigação do assassino serial auto-intitulado Zodíaco e que tirou o sono da polícia (e da população) de San Francisco, nos EUA, por mais de três décadas. O criminoso faz o tipo ousado que avisa a polícia de cada assassinato cometido além das mensagens cifradas enviadas aos jornais.

Tudo no filme funciona bem. O roteiro é excelente, se constrói sob o ponto de vista da investigação e exige atenção máxima, pois é ágil e possui toques de humor inteligente para quebrar o clima pesado. Todo o elenco, sem precisar de um protagonista, está impecável, com destaque para o sempre louco Robert Downey Jr. (embora goste muito do Marc Ruffalo no filme também). Além disso, o filme conta com uma edição precisa e linear, uma trilha sonora agradável e reconstituição de época invejável através de uma direção de arte afiada. Com certeza, um dos melhores filmes do ano.

Memórias de um Assassino (Salinui Chueok, Coréia do Sul, 2003)
Dir: Bong Joon-ho




O tema é sério. Mulheres estão sendo assassinadas brutalmente numa cidadezinha do interior da Coréia do Sul. Começa, então, a caça ao responsável e somos surpreendidos por uma dupla de policiais desajeitados à frente do caso. No início, o filme possui um tom de chacota e humor (são hilárias as cenas da sauna e do operário de calcinha). Mas à medida que a história transcorre, a situação ganha a seriedade necessária e o filme se torna mais sombrio.

Bong Joon-ho, como já mostrou no seu ótimo O Hospedeiro, tem um olhar excepcional para composição de cenas, mas sem ser esquemático. Seus enquadramentos dão a impressão de que cada coisa vista na tela está em seu devido lugar. Ele tem total controle sobre o filme que também é um pouco longo, mas flui que é uma beleza. O mistério em volta da identidade do assassino nos deixa cada vez mais apreensivos culminando com um final que pode desagradar a alguns. Ao fim, o desenvolvimento da história vale mais que a solução do mistério.


Postado por Rafael Carvalho

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Pura poesia em cena

Inicialmente gostaria de me desculpar por ter passado tanto tempo afastada do blog. A razão da minha ausência foi ter ocupado o meu tempo disponível estudando para um concurso. Senti muita falta e estou de volta!

Desculpas também pelo tamanho do texto abaixo! Ele foi reduzido de 4 a 2 páginas, mas continua grande. Para os que tiverem paciência: espero que gostem!

Lavoura Arcaica (Idem, 2001)
Dir: Luiz Fernando Carvalho
Lavoura Arcaica, adaptação do livro de mesmo nome de Raduan Nassar, conta a história de André, um dos cinco filhos de uma família libanesa que vive no Brasil. Tendo crescido em uma fazenda bucólica e imersa em costumes que justificam o título do filme, André se vê atormentado por sentimentos que contrariam todas as noções que lhe foram transmitidas por seu rígido pai. Realiza então a fuga que virá a definir os rumos de toda a família.

Pedro, o irmão mais velho do protagonista, é incumbido da missão de tentar trazer André de volta ao lar. A partir de então, se depara com o relato sofrido e violento do irmão mais novo que descarrega todas as suas angústias e segredos, desmontando diante de Pedro a imagem de uma família unida e imaculada que seu Pai lutara em construir.

É através da narrativa poética e verborrágica de André que o espectador mergulha no passado do personagem, pelos momentos da infância e adolescência na fazenda, e entende seus atos e sensações do presente. Nesse aspecto a montagem do filme foi tão bem trabalhada que faz com que as narrativas lentas de cada período sejam intercaladas de modo a não ficarem cansativas e prenderem a atenção todo o tempo.

Sentado sempre à cabeceira da mesa, o pai, personagem de Raul Cortez, reunia durante as refeições a mulher e filhos num ritual de submissão no qual lhes ensinava lições de sabedoria. Essa cena se repete várias vezes ao longo do filme e nas várias fases dos personagens, constituindo para André o grande elemento de hipocrisia de seu pai.

Já o carinho de sua mãe funciona como contraponto diante de toda essa frieza do pai, chegando a ser exacerbado e a insinuar conotações sexuais. O próprio André ressalta que “se o pai, no seu gesto austero, quis fazer da casa um templo, a mãe, transbordando no seu afeto, só conseguiu fazer dela uma casa de perdição”. Não fossem as demonstrações da mãe, talvez os filhos não encontrassem meio de fugir ao flagelo emocional ocasionado pelo pai. Também afirma “o galho da direita era um desenvolvimento espontâneo do tronco, desde as raízes; já o da esquerda trazia o estigma de uma cicatriz, como se a mãe, que era por onde começava, fosse uma protuberância mórbida pela carga de afeto”. È interessante observar que o “galho da direita”, além da presença da mãe, tinha a de André, Ana e Lula, todos personagens complexos e que desafiam a estrutura da casa.

A fotografia de Walter Carvalho é impecável. Na maioria do tempo alcança-se a sensação de utilização de luz local. De dia, a luz entrando pelas janelas da casa da fazenda ou pelas frestas da casa abandona dos fundos, sempre em tons amarelados, dão a sensação de antigüidade e diferem da luz encontrada fora de casa, em momentos mais claros e de contato com a natureza. Tal diferença também pode ser notada quando há a narração dos momentos de infância de André, onde prevalecem na fotografia os tons de branco.

A noite, por sua vez, é marcada quase que em todas as cenas por um tom sombrio, ocasionado pela luz proveniente de lamparinas e, num momento fortíssimo do filme, de uma lâmpada que o protagonista acende durante a conversa com o irmão. Destaque para a atmosfera criada na mesa do jantar, onde uma lamparina ilumina precariamente os integrantes da mesa e tudo ao redor é um completo e angustiante breu.

Outro aspecto que chama a atenção no filme é a grande utilização de closes. Cada detalhe, principalmente os momentos de contato físico entre os personagens, são enfocados pelo diretor. Tal característica parece sugerir um mergulho ainda maior nas relações humanas do filme. Este recurso é também utilizado nas diversas cenas em que os pés de André são filmados: tirando os sapatos, sentindo o chão, roçando entre as folhas.

A trilha sonora do filme é marcante. Predominantemente composta por instrumento de cordas, ela é melancólica em alguns momentos e agitada em outros - principalmente nos de festa em que prevalecem as canções de origem árabe. Há, no entanto, nos momentos de alta tensão do filme, a bela utilização de acordes intensos ou simplesmente do silêncio para conferir às cenas um grau de densidade que corresponda à intensidade que cada cena requer.

Cabe ressaltar o memorável trabalho dos atores envolvidos no filme. Selton Mello despe-se de todos os tipos que poderiam compor um “André” estereotipado e mergulha no personagem de forma entregue e, por que não, visceral. Simone Spoladore, que sem dizer uma palavra sequer, transmite com maestria toda a ambigüidade da personagem Ana. Com roupas claras e leves que pressupõem pureza, e beleza avassaladora e misteriosa, conseguimos sentir a cada cena o sentimento exato que permeia a mente de sua personagem. Juliana Cordeiro da Cunha, a mãe, também surpreende pela sua expressão marcada e de poucas palavras.

O desfecho é surpreendente e faz valer à pena esperar os longos 163 minutos da película.

Postado por Andressa Cangussú

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Corrente literária



Imagino o que teria sido de mim se não tivesse descoberto o prazer pela leitura há algum tempo. Ganhei Harry Potter e a Pedra Filosofal e quando vi aquele livrão (sim, nos meus 12 anos era enorme e, pior, sem figuras) pensei: "Ai caramba, eu vou ter que ler esse livro mesmo?". Mas foi minha madrinha quem me deu e se ela perguntasse o que tinha achado do livro? Tive que ler então, né. E foi aí que a magia aconteceu. Chegou um momento que eu não conseguia mais parar de ler. E a vontade não parou até hoje. Escolher cinco livros é difícil, mas aí vão os meus atuais preferi dos.


1. Cem Anos de Solidão (Gabriel García Márquez)

A partir do momento em que eu entrei em contato com a obra do Gabriel García Márquez com Crônica de uma Morte Anunciada eu me tornei fã do cara. E Cem Anos de Solidão foi uma experiência marcante. O realismo fantástico construído com maestria e elegância nos deixa extasiados, enquanto testemunhamos a saga da geração de toda uma família. A leitura flui da forma mais agradável possível desejando que a leitura não terminasse nunca.

2. Crime e Castigo (Fiódor Dostoiévski)

A leitura de Dostoievski é densa, mas nunca complexa ou cansativa. Acompanhamos os delírios e pensamentos da mente de um personagem atormentado por si mesmo e por seus demônios internos. A gama de tramas paralelas só enriquece a narrativa que prima mais pela introspecção psicológica dos personagens do que pela ação em si.

3. Lavoura Arcaica (Raduan Nassar)

Antes mesmo de me maravilhar com o filme dirigido por Luis Fernando Carvalho, o livro de Raduan Nassar me pegou de surpresa. É uma experiência marcante tanto pela estrutura narrativa (os capítulos são formados por um só parágrafo, enormes e sem pontos continuativos) quanto pela densidade da história do rapaz que fugiu de casa por estar apaixonado pela irmã. Pena que o autor só lançou mais dois livros e depois de aposentou.

4. Vidas Secas (Graciliano Ramos)

É com muita simplicidade que esse grande autor de nossa literatura nos dá a história de uma família de retirantes e nos apresenta momentos de degradação moral daqueles personagens. Embora sejam fictícios, há muitos deles na vida real. Com um texto seco e direto, as situações que acompanhamos são brutas e parece não haver solução para aquela família senão o sofrimento e a eterna fuga.

5. A Metamorfose (Franz Kafka)

A situação surreal a que somos convidados a conhecer logo a partir das primeiras linhas do livro mais famoso de Kafka se torna ainda mais prazerosa pela qualidade de seu texto. A naturalidade com que ele conta a história do homem que acorda transformado em um inseto nos aproxima ainda mais da narrativa. Mas não se enganem, a história é densa. Metáfora perfeita de alguém que vive e se sente oprimido dentro do próprio lar.

Passo agora a corrente para André Setaro (Setaro's Blog), Renato Silveira (Cinematório), Wallace Guedes (Crônicas Cinéfilas), Roberto Queiroz (Claquete) e Gustavo Madruga (Cine Ôba). Se virem.


PS: Quase entram na lista O Caso dos Dez Negrinhos (Agatha Christie) e 1984 (George Orwell). Foi uma briga...


Postado por Rafael Carvalho