segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Mostra Cinema Conquista 2007

Uma vez por ano a minha cidade natal, Vitória da Conquista, que coincidentemente é a terra do mestre do Cinema Novo, Glauber Rocha, dá a seus moradores uma oportunidade de vivenciar o cinema por uma semana inteira.

Ironicamente, a terra de Glauber só tem um cinema, com três salas, nas quais são exibidos filmes dos mais comerciais que se possa imaginar e, graças à lei, alguns deles são brasileiros. De toda a programação da mostra – pela primeira vez composta apenas por filmes brasileiros!-, apenas dois filmes passaram pelos cinemas daqui: O ano em que meus pais saíram de férias e Saneamento básico.

Além das produções de outros estados, que às vezes nem às locadoras chegam, teremos contato também com curtas e vídeos baianos, aos quais temos menos acesso ainda.

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Eu me Lembro (2006)
Dir: Edgard Navarro
A mostra teve início com o longa Eu me Lembro, do diretor baiano Edgard Navarro.
Relato autobiográfico de três décadas (50, 60 e 70) da vida do diretor, o filme é baseado em memórias e explora as sensações que acompanharam Navarro ao longo de sua infância e juventude.

A história se inicia com a visão infantil do personagem “Guiga” sobre o mundo. Neste momento tudo é fantasioso, assistido por frestas de janelas, causa espanto e é nessa fase que o garoto se percebe pela primeira vez no mundo. São aqueles flashes de memória que todos temos da época de criança e que, por mais irrelevantes que possam parecer, marcam a nossa mente de verdade.

Na segunda fase, já com onze anos, o menino começa a entender suas relações familiares- sempre marcadas pela forte religiosidade de seus pais- e a descobrir sua sexualidade, fator esse exploradíssimo no filme, de modo a chocar os expectadores mais desavisados (como eu).

Por fim, já nos anos 70, o jovem se depara com a eclosão do movimento hippie, encontrando nas drogas sua nova fonte de descobertas. É também nesse período que Guiga é levado a mergulhar no seu passado e em tudo que influenciou sua vida até aquele momento.

A produção agrada pela simplicidade das situações vividas pelo garoto e a forma humana como ele as encara. Tais aspectos criam uma grande identificação com o público, principalmente com os que viveram essa época.

Edgard Navarro, que esteve presente na mostra, revelou em seus gestos e palavras o motivo de o filme ter cenas tão fortes e escancaradas. Ele é um cineasta inquieto, que não segue padrões e adora romper qualquer cerimônia.

Foi uma abertura à altura das expectativas!

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Maravilha do "velho" cinema...

Carta de uma desconhecida (Letter from an Unknown Woman, 1948)
Dir: Max Ophüls




Carta de uma desconhecida, do diretor Max Olphüs , desperta nos amantes do cinema, no mínimo, uma grande nostalgia do que já foi o cinema. O cinema dos grandes clássicos, dos filmes que faziam chorar sem romantismo barato e histórias adolescentes e que levavam o público a se levantar das poltronas para aplaudir.

O filme se desenrola a partir de uma carta recebida pelo pianista Stefan Brand (Louis Jourdan), na qual Lisa (Joan Fontaine) conta uma história de amor que desperta em Stefan várias memórias. A partir de então, somos levados por um flashback no qual Lisa, narradora e protagonista, nos conduz pelos detalhes de sua paixão e nos torna confidentes e plenos conhecedores dos fatos e sentimentos envolvidos.
O romantismo é tão explorado e as situações encaradas por ela são de um amor tão entregue que, de fato, ficamos extasiados e passamos a compartilhar de todas as sensações de Lisa. Desde a vontade de que o amor se concretize, até o ódio nos momentos em que se revelam as fraquezas de Stefan – com o diferencial de que ela o perdoa sempre mais rápido do que nós que assistimos.

A verdade é que, contada sob a perspectiva de Lisa – ilusões e sentimentos dela – a narrativa se torna uma arma nas mãos da personagem, que se aproveita da condição de “dona da história” para cativar o expectador e o faz muito bem! Analisando friamente, sem toda a euforia que nos envolve no momento “pós-filme”, é tão nobre assim que uma mulher passe por cima de tudo, todos e de si mesma por um amor?













Lisa nos convence que sim e seu amor justifica pra ela e pra nós – cúmplices e apoiadores da história- qualquer atitude. Queremos forçar Stefan a olhar pra Lisa como se o sentimento dela fosse tão grande que o obrigasse a perceber e corresponder, mas o preceito básico de um sentimento de verdade não seria justamente não gerar obrigações?

Por fim, a carta que, à primeira vista é meramente um objeto de despedida, pode ser interpretada também como meio usado por Lisa para enfim conseguir a atenção que Stefan não dispensou a ela durante todo o tempo. A carta foi uma idéia romântica, sim, mas também inteligente, já que ele a partir dali teria duas escolhas: sofrer de remorso pela lembrança do que significou pra ela ou morrer como forma de redenção. O desfecho não deixa certezas, mas fica a sensação de que ao menos uma vez o amor de Lisa valeu à pena.

O filme é lindo, tocante, cinema de verdade e o fato de Lisa ter me enganado tão bem o deixou ainda mais interessante e bem feito. Palmas para Max Ophüls! Uma bela obra do cinema.