sábado, 8 de dezembro de 2007

Bagdad café

Esse texto foi produzido para a matéria Crítica Cinematográfica. Infelizmente o professor definiu que a crítica deveria ser estruturalista: missão bem difícil quando se trata de um filme tão belo e emocional como Bagdad Café.

Bagdad Café, do diretor Percy Adlon, é um clássico do cinema europeu que, apesar de datar de 1987, é atual e, me arriscaria a dizer, atemporal. Com um roteiro que mescla simplicidade e surrealismo, conta a história de Jasmim, uma mulher que abandona o marido após discussão e encontra no meio da estrada uma espécie de lanchonete, posto de gasolina e hospedaria que levam o nome do filme.

A estranha, que inicialmente é alvo da personalidade forte de Brenda, dona do bar, conquista espaço aos poucos e acaba levando alegria e mágica ao ambiente, antes austero, do Bagdad Café.
Logo no início da trama, chamam a atenção as câmeras posicionadas de maneira irregular que dão a sensação de desequilíbrio e conflito durante a briga de Jasmin com o marido. Já os closes são utilizados em diversos momentos da película, destacando objetos dos mais inusitados, principalmente as peças chamativas e ostensivas dos figurinos das personagens- como colares, botas e fivelas.

Há também cenas de estilo surreal e, logo, de difícil interpretação, deixando margem para questionamentos acerca da veracidade de alguns momentos da história. O diretor utiliza, por exemplo, por diversas vezes a imagem de um rapaz jogando um bumerangue. É provavelmente uma metáfora sobre a vida, que pode gerar múltiplas interpretações, mas pode também ser encarada pelo espectador simplesmente como um momento de pura beleza do filme.

A trilha sonora merece destaque. Explora principalmente a música “Calling You”- indicada ao Oscar de Melhor Canção Original, uma espécie de lamúria melancólica e profunda que reflete perfeitamente o clima de solidão do deserto e das personagens de Bagdá Café. Todas as vezes que o filho de Brenda tenta quebrar esse clima com uma canção alegre ao piano, a mulher o impede de tocar, deixando a sensação de que não há espaço pra sentimentos harmoniosos naquele lugar. Mas é com “Brenda, Brenda” que o filme encontra seu ápice tanto na trilha sonora, quanto no enredo. A animada canção é executada em uma espécie de musical dentro da trama e soa como a resposta para as transformações realizadas por Jasmin na vida de todos que freqüentam o local, mas principalmente na vida de Brenda.


No entanto, são nas interpretações que o filme encontra sustento do início ao fim. Marianne Sägebrecht confere uma humanidade tão grande à Jasmin que fica difícil definir o que exatamente nos cativa nela. Já CCH Pounder faz uma Brenda na medida: que sabe irritar de tão rude e gritona, mostra vergonha ao reconhecer os deslizes (como toda pessoa grosseira que se preze) e se transforma em outra quando se depara com a felicidade.

Um filme simples, tocante e para se refletir sobre o efeito que as pessoas causam em nossas vidas e sobre que efeito causamos nelas.

Vídeo pra quem já assistiu matar as saudades!

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Mostra Cinema Conquista 2007

Uma vez por ano a minha cidade natal, Vitória da Conquista, que coincidentemente é a terra do mestre do Cinema Novo, Glauber Rocha, dá a seus moradores uma oportunidade de vivenciar o cinema por uma semana inteira.

Ironicamente, a terra de Glauber só tem um cinema, com três salas, nas quais são exibidos filmes dos mais comerciais que se possa imaginar e, graças à lei, alguns deles são brasileiros. De toda a programação da mostra – pela primeira vez composta apenas por filmes brasileiros!-, apenas dois filmes passaram pelos cinemas daqui: O ano em que meus pais saíram de férias e Saneamento básico.

Além das produções de outros estados, que às vezes nem às locadoras chegam, teremos contato também com curtas e vídeos baianos, aos quais temos menos acesso ainda.

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Eu me Lembro (2006)
Dir: Edgard Navarro
A mostra teve início com o longa Eu me Lembro, do diretor baiano Edgard Navarro.
Relato autobiográfico de três décadas (50, 60 e 70) da vida do diretor, o filme é baseado em memórias e explora as sensações que acompanharam Navarro ao longo de sua infância e juventude.

A história se inicia com a visão infantil do personagem “Guiga” sobre o mundo. Neste momento tudo é fantasioso, assistido por frestas de janelas, causa espanto e é nessa fase que o garoto se percebe pela primeira vez no mundo. São aqueles flashes de memória que todos temos da época de criança e que, por mais irrelevantes que possam parecer, marcam a nossa mente de verdade.

Na segunda fase, já com onze anos, o menino começa a entender suas relações familiares- sempre marcadas pela forte religiosidade de seus pais- e a descobrir sua sexualidade, fator esse exploradíssimo no filme, de modo a chocar os expectadores mais desavisados (como eu).

Por fim, já nos anos 70, o jovem se depara com a eclosão do movimento hippie, encontrando nas drogas sua nova fonte de descobertas. É também nesse período que Guiga é levado a mergulhar no seu passado e em tudo que influenciou sua vida até aquele momento.

A produção agrada pela simplicidade das situações vividas pelo garoto e a forma humana como ele as encara. Tais aspectos criam uma grande identificação com o público, principalmente com os que viveram essa época.

Edgard Navarro, que esteve presente na mostra, revelou em seus gestos e palavras o motivo de o filme ter cenas tão fortes e escancaradas. Ele é um cineasta inquieto, que não segue padrões e adora romper qualquer cerimônia.

Foi uma abertura à altura das expectativas!

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Maravilha do "velho" cinema...

Carta de uma desconhecida (Letter from an Unknown Woman, 1948)
Dir: Max Ophüls




Carta de uma desconhecida, do diretor Max Olphüs , desperta nos amantes do cinema, no mínimo, uma grande nostalgia do que já foi o cinema. O cinema dos grandes clássicos, dos filmes que faziam chorar sem romantismo barato e histórias adolescentes e que levavam o público a se levantar das poltronas para aplaudir.

O filme se desenrola a partir de uma carta recebida pelo pianista Stefan Brand (Louis Jourdan), na qual Lisa (Joan Fontaine) conta uma história de amor que desperta em Stefan várias memórias. A partir de então, somos levados por um flashback no qual Lisa, narradora e protagonista, nos conduz pelos detalhes de sua paixão e nos torna confidentes e plenos conhecedores dos fatos e sentimentos envolvidos.
O romantismo é tão explorado e as situações encaradas por ela são de um amor tão entregue que, de fato, ficamos extasiados e passamos a compartilhar de todas as sensações de Lisa. Desde a vontade de que o amor se concretize, até o ódio nos momentos em que se revelam as fraquezas de Stefan – com o diferencial de que ela o perdoa sempre mais rápido do que nós que assistimos.

A verdade é que, contada sob a perspectiva de Lisa – ilusões e sentimentos dela – a narrativa se torna uma arma nas mãos da personagem, que se aproveita da condição de “dona da história” para cativar o expectador e o faz muito bem! Analisando friamente, sem toda a euforia que nos envolve no momento “pós-filme”, é tão nobre assim que uma mulher passe por cima de tudo, todos e de si mesma por um amor?













Lisa nos convence que sim e seu amor justifica pra ela e pra nós – cúmplices e apoiadores da história- qualquer atitude. Queremos forçar Stefan a olhar pra Lisa como se o sentimento dela fosse tão grande que o obrigasse a perceber e corresponder, mas o preceito básico de um sentimento de verdade não seria justamente não gerar obrigações?

Por fim, a carta que, à primeira vista é meramente um objeto de despedida, pode ser interpretada também como meio usado por Lisa para enfim conseguir a atenção que Stefan não dispensou a ela durante todo o tempo. A carta foi uma idéia romântica, sim, mas também inteligente, já que ele a partir dali teria duas escolhas: sofrer de remorso pela lembrança do que significou pra ela ou morrer como forma de redenção. O desfecho não deixa certezas, mas fica a sensação de que ao menos uma vez o amor de Lisa valeu à pena.

O filme é lindo, tocante, cinema de verdade e o fato de Lisa ter me enganado tão bem o deixou ainda mais interessante e bem feito. Palmas para Max Ophüls! Uma bela obra do cinema.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

"O Céu Sobre Berlim"

Asas do Desejo (Der Himmel über Berlin, 1987)
Dir: Wim Wenders


Cidade dos Anjos é um exemplo de filme que se enquadra no quesito comercial, tem seus defeitos, mas sempre me tocou. Tive, entretanto, a chance de assistir Asas do Desejo, filme que originou Cidade dos Anjos, e que boa surpresa! É uma belíssima obra, sensível, profunda e supera seu sucessor em todos os aspectos.

Desde a primeira cena somos levados a mergulhar nos pensamentos de diversas pessoas, o que inicialmente pode ser tedioso, mas que com o tempo se revela uma grande arma de reflexão do filme. Às vezes os pensamentos são tão densos que me vi pausando o filme pra pensar um pouco mais sobre o que tinha acabado de ver.

A fotografia é maravilhosa e o jogo realizado entre o preto-e-branco e o colorido é um grande trunfo utilizado para dar dimensões diferentes à vida de um anjo – eterna, mas sem cor - e a dos seres humanos – finita e cheia de problemas, mas com sensações inegavelmente coloridas.

A história de amor, que em Cidade dos Anjos parece ser o único elemento da história, aqui é trabalhada de forma mais sutil e intercalada com vários momentos dos anjos que acompanham os pensamentos das pessoas. Destacam-se os pensamentos de um senhor bem idoso chamado Homero, que todo o tempo desabafa a impossibilidade de contar suas histórias, já que agora todos preferem lê-las – homenagem clara ao Homero grego.
É também Homero que, dentro e fora da biblioteca onde se passam vários momentos do filme, faz reflexões acerca de Berlim, cidade onde se passa a história. A cidade, fortemente atingida por ter sido palco da Segunda Guerra, é mais um dos ricos temas desenvolvidos na película. Em algumas cenas, inclusive, são exibidas partes de documentários que retratam a guerra e a Berlim pós-guerra. Mais um elemento que ao encontrou espaço na adaptação hollywoodiana.

O amor impossível se torna apenas uma metáfora uma vez que, através da escolha feita pelo anjo entre a imortalidade e a humanidade, Wenders desenvolve a principal temática do filme: o conflito humano.

É triste ver como Cidade dos Anjos não captou a essência de Asas do Desejo... Após ver Asas do Desejo, a única forma de pensar em Cidade dos Anjos como menos que um desastre é encará-los como filmes completamente independentes. Se é que isso é possível.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Lendo...

Os cineastas (2002)
Roberto D'Avila
Editora: Bom Texto


Seja por gosto, seja por uma razão cultural, ou até mesmo pela dificuldade de acesso, nos acostumamos a conhecer de forma mais aprofundada o trabalho dos cineastas de qualquer lugar do mundo que não o Brasil.

O cinema brasileiro vem passando por um processo de afirmação e isso, de fato, é muito positivo. Entretanto, há aqueles que já marcaram a história e que não podem ser esquecidos, mesmo que produzam (ou tenham produzido) filmes de qualidade questionável.

Por isso me interessei pelo livro Os cineastas, no qual Roberto D'Avila entrevista Nelson Pereira, Cacá Diegues, Bruno Barreto, Zelito Viana, Hugo Carvana e Walter Salles. Além das entrevistas, há uma breve biografia de cada um, assim como suas filmografias, fotos dos bastidores e de cenas dos filmes.

PS: Obrigada pelo livro meu bem...

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Uma novela a menos, um filme a mais

De volta depois de semanas de computador quebrado e 4 dias de viagem...

O Primo Basílio (Idem, 2007)
Dir: Daniel Filho



O Primo Basílio foi uma grata surpresa. Apesar de ter trazido poucas novidades em sua construção, Daniel Filho conseguiu realizar a difícil tarefa de dar um ar de filme a uma das produções Globais. Tal comentário deve soar absurdo aos que ainda não tiveram a chance de assistir a película e se deparam com um elenco mais que novelesco: Fábio Assunção, Débora Falabella e Reinaldo Gianechinni.

A força da narrativa está, entretanto, numa atriz ainda não citada. Glória Pires dá um show de interpretação e faz uma vilã livre de tipos, que incomoda pela situação em que se encontra e não por ser uma pessoa maquiavélica, como costumam ser os “melhores” vilões.


A adaptação, de forma geral, é fiel à obra de Eça de Queiroz, mas não há dúvidas de que todo o lirismo se perde na passagem para a telona. Uma das partes mais prejudicadas é o final, que parece ser jogado de qualquer jeito, apenas para que o filme possa terminar, não transmitindo sequer um pouco de emoção – efeito causado também pela fraca atuação de Gianechini que não atrai nenhuma simpatia para sua personagem, quem dirá pena.
As cenas de sexo não me agradaram, principalmente pela falta de envolvimento afetivo das personagens. É claro que o desejo está presente no adultério, mas a personagem Luísa é marcada, sobretudo, por um romantismo cego e exacerbado que definitivamente não foi revelado nessas cenas.
Os efeitos de câmera estão lá, mas parecem gratuitos, o que pra mim soa ridículo e uma tentativa desesperada de dar movimento ao filme.

Tropeções à parte, O Primo Basílio superou as minhas expectativas, mesmo porque elas eram baixas. Continuarei não sendo fã do trabalho de Daniel Filho, que sempre me pareceu um cineasta intermediário, mas um pouco de superação não faz mal a ninguém.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Déjà vu

Paranóia (Disturbia, 2007)
D.J. Caruso



Não...não vou falar do recente filme protagonizado pelo Denzel Washington. Vamos lá: Personagem central em casa, com binóculos, espiando vizinhos, descobrindo os podres deles... Se o maravilhoso clássico Janela Indiscreta veio à sua cabeça, pode desistir. O de já vu pára por aí, pois o novo thriller Paranóia não vai longe na tentativa de transformar uma janela indiscreta numa fonte convincente de suspense.

O filme narra a historia de Kale (Shia LaBeouf), um garoto que, traumatizado pela violenta morte do pai, é submetido à prisão domiciliar após agredir um professor. Limitado e entediado, ele passa a bisbilhotar pelas janelas a vida da vizinhança. Começa então a relacionar uma série de assassinatos veiculados pela mídia a um de seus vizinhos e, com a ajuda dos amigos, faz de tudo para solucionar o caso.

A questão é que não se cria um ambiente de suspense desde o início da história. Ao contrário, pelo menos meia hora (mas deve ter sido muito mais) se direciona à ambientação da personagem principal – que não é complexa o suficiente para ser tão explorada-, o que cria uma sensação inquietante de “nada acontece”.

A atmosfera que reina é a de um filme adolescente que arranca, sim, alguns sustos (ocasionados principalmente pelas musiquinhas sinistras seguidas de um baque), mas que definitivamente não supera as expectativas e ainda tem o azar de ser sucessor de um filme tão bom do mestre do terror.

Shia LaBeouf é super simpático e realmente parece estar no caminho certo para brilhar sob os holofotes de Hollywood. Não fosse ele, nem o romancezinho do filme empolgaria o público. Carrie Anne Moss? Acaba sendo talento inexplorado nesse tipo de película.

Pode ser duro ou precipitado demais, mas minha aposta é que veremos Paranóia na Tela Quente daqui a alguns anos.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Foi maravilhoso enquanto durou

Bem, depois de mais de 6 meses juntos, nós, Rafael e Andressa, resolvemos nos separar. Mas acalmem-se, a separação foi amistosa! Na realidade, estávamos precisando de um espaço reservado para que cada um escrevesse à sua forma e em seu tempo.

A experiência de colocarmos nossa opinião sobre algo que nos agrada tanto quanto o cinema foi extremamente gratificante e positiva. Motivo pelo qual continuaremos fazendo o mesmo, só que em espaços distintos. E claro, continuamos contando com a participação de todos vocês que tantos nos apoiaram e nos alegraram com seus comentários e visitas. Sem sombra de dúvidas, era (e ainda é) o que nos motiva a estar sempre escrevendo.

Na separação de bens, o Cinematógrafo XXI fica nas mãos de Andressa, enquanto que Rafael passa agora a escrever num espaço novo, o Moviola Digital - http://www.movioladigital.blogspot.com/ .

terça-feira, 11 de setembro de 2007

O futuro ao HOMEM pertence

Filhos da Esperança (Children of Men, 2006)
Dir: Alfonso Cuarón



Sempre que assistia a filmes futuristas, com todas aquelas máquinas e supertecnologia, me perguntava: “será que ninguém entende? Não vai ser desse jeito!”.

Na minha singela percepção de mundo, enxergava um futuro de pura violência, dominação cultural e racial, fome, desgraça e, no meio disso tudo, uma tecnologia que, mesmo avançada, não passaria de um tiro n’água ante toda a conturbação social gerada pelo homem.

Filhos da Esperança vem exatamente desmistificar a noção floreada de um futuro próspero proveniente da evolução tecnológica. O mais interessante é que a forma encontrada para tal não foi apenas a fome, doenças ou falta de fontes de energia, o que seria mais comum, e sim todos esses problemas culminando numa estrutura social caótica que gerou um problema jamais imaginado: a impossibilidade de reprodução. À primeira vista pode soar surreal demais, mas funciona no mínimo como uma primorosa metáfora do que pode acontecer se o homem mantiver o atual ritmo e “qualidade” de sua evolução na Terra.

O filme é magnífico em todos os aspectos. Além de trazer uma narrativa interessantíssima e bem contextualizada, guiada através da personagem de Clive Owen (que está impecável no papel), apresenta recursos técnicos de tirar o fôlego, desde os incríveis planos-sequência, até a fotografia e ambientação sombrias que nos transmitem perfeitamente o clima de destruição e angústia presentes na Londres de 2027.

Além de um filme para rever, fica a reflexão de onde toda a ganância do homem pode chegar.

Postado por Andressa Cangussú

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

A serviço de uma pátria

O Bom Pastor (The Good Shepherd, EUA, 2006)
Dir: Robert De Niro




Com Desafio no Bronx, de 1993, Robert De Niro estréia na direção com o pé direito, embora o resultado tenha sido apenas mediano. Mas somente 13 anos depois ele volta a trabalhar atrás das câmeras e pelas qualidades de O Bom Pastor, o tempo lhe fez muito bem. Seu segundo filme conta com uma produção bem melhor é bastante audacioso: focar as três primeiras décadas do surgimento da CIA que acompanhamos através da entrada do agente Edward Wilson (Matt Damon, ótimo) na corporação.

O filme já começa no ano de 1961 quando a CIA investiga os motivos para o fracasso da ocupação de Cuba durante a famosa invasão da Baía dos Porcos; tudo indica que há um espião dentro da própria organização. Mas aí o filme se utiliza de constantes flashbacks para, duas décadas antes, mostrar o surgimento da CIA, o entrada de Edward e o treinamento deste no Serviço de Inteligência inglês durante a Segunda Grande Guerra.

Desde o início, somos testemunhas do sacrifício com que o protagonista assume o seu perigoso e ultra-secreto ofício em detrimento de sua família e de sua própria felicidade. Somos apresentados a um personagem que raramente ri e cheio de dilemas morais, sempre envolvendo a relação com aqueles que estão mais próximos. Sua mulher (Angelina Jolie) mal o conhece e sua relação com o filho é de distanciamento.

Vale ressaltar aqui a excelente reconstrução de época com uma direção de arte primorosa (única indicação no último Oscar). Pena que o filme se estenda por um tempo muito longo, o que pode cansar o espectador. É preciso muita atenção para não deixar passar os mínimos detalhes que ajudam a desenvolver a narrativa. Depois dessa ótima experiência, espera-se que De Niro continue assim, tão bom atrás das câmeras quanto o é na frente delas.

Postado por Rafael Carvalho

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

"Um filme ousa ser feio"

Os Simpsons – O Filme (The Simpsons Movie, 2007)
Dir: David Silverman




A primeira sensação dos admiradores da série ao se sentarem na poltrona do cinema certamente é de medo, afinal adaptações sempre são arriscadas e ver Os Simpsons na lista das mal sucedidas seria realmente uma pena. Bem...Respiremos aliviados! Os Simpsons - o filme supera as expectativas e cativa por manter a linha irreverente e irônica da série original.


O enredo é envolvente e mantém as críticas afiadas como de costume. Logo no começo, Hommer despeja um contundente discurso sobre a obrigação de ir à missa, questionando a necessidade de fazê-lo e confrontando ao mesmo tempo as religiões e o puritanismo da sociedade americana – excelente! -, sem contar o comentário sobre a Bíblia: “Esse livro não tem nenhuma resposta”.

O governo não fica de fora e é atacado durante todo o filme, sendo acusado de tomar decisões aleatórias e que não levam em consideração a situação das pessoas envolvidas (impossível não remeter à realidade dos iraquianos). O meio ambiente também teve seu destaque: interessantíssima a provação enfrentada por Hommer – rosquinhas de graça ou fazer a coisa certa pelo meio-ambiente? – Mais uma vez uma espetada no governo e em cada cidadão que ignora os avisos (como Hommer fez com as placas) do perigo da poluição.

Assuntos sérios à parte, as risadas são garantidas e se mantém por todo o filme. Como não citar o “Porco-aranha” e a cena em que Bart anda de Skate nu pela cidade enquanto vários obstáculos nos impedem de vê-lo “por completo”?

Enfim, se você quiser cometer a idiotice de pagar pra ver o que pode ver de graça em casa, vale à pena!


Por Andressa Cangussú

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Matança

Histórias de serial killer baseadas em fatos reais são muito comuns no cinema e por isso acabam se tornando repetitivas. Isso se os realizadores não forem competentes o suficiente para contarem suas histórias de forma criativa. Bons exemplos são o novo filme de David Fincher e o trabalho que deu visibilidade ao realizador sul-coreano Bong Joon-ho. Zodíaco e Memórias de um Assassino, cada qual a sua maneira, possuem vários aspectos em comum, mas é o estilo de seus diretores que garantem a qualidade das produções.

Zodíaco (Zodiac, EUA, 2007)
Dir: David Fincher




São poucos os filmes de quase três horas de duração que conseguem manter um mesmo ritmo e o espectador atento. Zodíaco é um desses trabalhos graças a um esforço conjunto. David Fincher, sem maneirismos ou exageros, constrói com muito controle uma narrativa sóbria sobre a investigação do assassino serial auto-intitulado Zodíaco e que tirou o sono da polícia (e da população) de San Francisco, nos EUA, por mais de três décadas. O criminoso faz o tipo ousado que avisa a polícia de cada assassinato cometido além das mensagens cifradas enviadas aos jornais.

Tudo no filme funciona bem. O roteiro é excelente, se constrói sob o ponto de vista da investigação e exige atenção máxima, pois é ágil e possui toques de humor inteligente para quebrar o clima pesado. Todo o elenco, sem precisar de um protagonista, está impecável, com destaque para o sempre louco Robert Downey Jr. (embora goste muito do Marc Ruffalo no filme também). Além disso, o filme conta com uma edição precisa e linear, uma trilha sonora agradável e reconstituição de época invejável através de uma direção de arte afiada. Com certeza, um dos melhores filmes do ano.

Memórias de um Assassino (Salinui Chueok, Coréia do Sul, 2003)
Dir: Bong Joon-ho




O tema é sério. Mulheres estão sendo assassinadas brutalmente numa cidadezinha do interior da Coréia do Sul. Começa, então, a caça ao responsável e somos surpreendidos por uma dupla de policiais desajeitados à frente do caso. No início, o filme possui um tom de chacota e humor (são hilárias as cenas da sauna e do operário de calcinha). Mas à medida que a história transcorre, a situação ganha a seriedade necessária e o filme se torna mais sombrio.

Bong Joon-ho, como já mostrou no seu ótimo O Hospedeiro, tem um olhar excepcional para composição de cenas, mas sem ser esquemático. Seus enquadramentos dão a impressão de que cada coisa vista na tela está em seu devido lugar. Ele tem total controle sobre o filme que também é um pouco longo, mas flui que é uma beleza. O mistério em volta da identidade do assassino nos deixa cada vez mais apreensivos culminando com um final que pode desagradar a alguns. Ao fim, o desenvolvimento da história vale mais que a solução do mistério.


Postado por Rafael Carvalho

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Pura poesia em cena

Inicialmente gostaria de me desculpar por ter passado tanto tempo afastada do blog. A razão da minha ausência foi ter ocupado o meu tempo disponível estudando para um concurso. Senti muita falta e estou de volta!

Desculpas também pelo tamanho do texto abaixo! Ele foi reduzido de 4 a 2 páginas, mas continua grande. Para os que tiverem paciência: espero que gostem!

Lavoura Arcaica (Idem, 2001)
Dir: Luiz Fernando Carvalho
Lavoura Arcaica, adaptação do livro de mesmo nome de Raduan Nassar, conta a história de André, um dos cinco filhos de uma família libanesa que vive no Brasil. Tendo crescido em uma fazenda bucólica e imersa em costumes que justificam o título do filme, André se vê atormentado por sentimentos que contrariam todas as noções que lhe foram transmitidas por seu rígido pai. Realiza então a fuga que virá a definir os rumos de toda a família.

Pedro, o irmão mais velho do protagonista, é incumbido da missão de tentar trazer André de volta ao lar. A partir de então, se depara com o relato sofrido e violento do irmão mais novo que descarrega todas as suas angústias e segredos, desmontando diante de Pedro a imagem de uma família unida e imaculada que seu Pai lutara em construir.

É através da narrativa poética e verborrágica de André que o espectador mergulha no passado do personagem, pelos momentos da infância e adolescência na fazenda, e entende seus atos e sensações do presente. Nesse aspecto a montagem do filme foi tão bem trabalhada que faz com que as narrativas lentas de cada período sejam intercaladas de modo a não ficarem cansativas e prenderem a atenção todo o tempo.

Sentado sempre à cabeceira da mesa, o pai, personagem de Raul Cortez, reunia durante as refeições a mulher e filhos num ritual de submissão no qual lhes ensinava lições de sabedoria. Essa cena se repete várias vezes ao longo do filme e nas várias fases dos personagens, constituindo para André o grande elemento de hipocrisia de seu pai.

Já o carinho de sua mãe funciona como contraponto diante de toda essa frieza do pai, chegando a ser exacerbado e a insinuar conotações sexuais. O próprio André ressalta que “se o pai, no seu gesto austero, quis fazer da casa um templo, a mãe, transbordando no seu afeto, só conseguiu fazer dela uma casa de perdição”. Não fossem as demonstrações da mãe, talvez os filhos não encontrassem meio de fugir ao flagelo emocional ocasionado pelo pai. Também afirma “o galho da direita era um desenvolvimento espontâneo do tronco, desde as raízes; já o da esquerda trazia o estigma de uma cicatriz, como se a mãe, que era por onde começava, fosse uma protuberância mórbida pela carga de afeto”. È interessante observar que o “galho da direita”, além da presença da mãe, tinha a de André, Ana e Lula, todos personagens complexos e que desafiam a estrutura da casa.

A fotografia de Walter Carvalho é impecável. Na maioria do tempo alcança-se a sensação de utilização de luz local. De dia, a luz entrando pelas janelas da casa da fazenda ou pelas frestas da casa abandona dos fundos, sempre em tons amarelados, dão a sensação de antigüidade e diferem da luz encontrada fora de casa, em momentos mais claros e de contato com a natureza. Tal diferença também pode ser notada quando há a narração dos momentos de infância de André, onde prevalecem na fotografia os tons de branco.

A noite, por sua vez, é marcada quase que em todas as cenas por um tom sombrio, ocasionado pela luz proveniente de lamparinas e, num momento fortíssimo do filme, de uma lâmpada que o protagonista acende durante a conversa com o irmão. Destaque para a atmosfera criada na mesa do jantar, onde uma lamparina ilumina precariamente os integrantes da mesa e tudo ao redor é um completo e angustiante breu.

Outro aspecto que chama a atenção no filme é a grande utilização de closes. Cada detalhe, principalmente os momentos de contato físico entre os personagens, são enfocados pelo diretor. Tal característica parece sugerir um mergulho ainda maior nas relações humanas do filme. Este recurso é também utilizado nas diversas cenas em que os pés de André são filmados: tirando os sapatos, sentindo o chão, roçando entre as folhas.

A trilha sonora do filme é marcante. Predominantemente composta por instrumento de cordas, ela é melancólica em alguns momentos e agitada em outros - principalmente nos de festa em que prevalecem as canções de origem árabe. Há, no entanto, nos momentos de alta tensão do filme, a bela utilização de acordes intensos ou simplesmente do silêncio para conferir às cenas um grau de densidade que corresponda à intensidade que cada cena requer.

Cabe ressaltar o memorável trabalho dos atores envolvidos no filme. Selton Mello despe-se de todos os tipos que poderiam compor um “André” estereotipado e mergulha no personagem de forma entregue e, por que não, visceral. Simone Spoladore, que sem dizer uma palavra sequer, transmite com maestria toda a ambigüidade da personagem Ana. Com roupas claras e leves que pressupõem pureza, e beleza avassaladora e misteriosa, conseguimos sentir a cada cena o sentimento exato que permeia a mente de sua personagem. Juliana Cordeiro da Cunha, a mãe, também surpreende pela sua expressão marcada e de poucas palavras.

O desfecho é surpreendente e faz valer à pena esperar os longos 163 minutos da película.

Postado por Andressa Cangussú

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Corrente literária



Imagino o que teria sido de mim se não tivesse descoberto o prazer pela leitura há algum tempo. Ganhei Harry Potter e a Pedra Filosofal e quando vi aquele livrão (sim, nos meus 12 anos era enorme e, pior, sem figuras) pensei: "Ai caramba, eu vou ter que ler esse livro mesmo?". Mas foi minha madrinha quem me deu e se ela perguntasse o que tinha achado do livro? Tive que ler então, né. E foi aí que a magia aconteceu. Chegou um momento que eu não conseguia mais parar de ler. E a vontade não parou até hoje. Escolher cinco livros é difícil, mas aí vão os meus atuais preferi dos.


1. Cem Anos de Solidão (Gabriel García Márquez)

A partir do momento em que eu entrei em contato com a obra do Gabriel García Márquez com Crônica de uma Morte Anunciada eu me tornei fã do cara. E Cem Anos de Solidão foi uma experiência marcante. O realismo fantástico construído com maestria e elegância nos deixa extasiados, enquanto testemunhamos a saga da geração de toda uma família. A leitura flui da forma mais agradável possível desejando que a leitura não terminasse nunca.

2. Crime e Castigo (Fiódor Dostoiévski)

A leitura de Dostoievski é densa, mas nunca complexa ou cansativa. Acompanhamos os delírios e pensamentos da mente de um personagem atormentado por si mesmo e por seus demônios internos. A gama de tramas paralelas só enriquece a narrativa que prima mais pela introspecção psicológica dos personagens do que pela ação em si.

3. Lavoura Arcaica (Raduan Nassar)

Antes mesmo de me maravilhar com o filme dirigido por Luis Fernando Carvalho, o livro de Raduan Nassar me pegou de surpresa. É uma experiência marcante tanto pela estrutura narrativa (os capítulos são formados por um só parágrafo, enormes e sem pontos continuativos) quanto pela densidade da história do rapaz que fugiu de casa por estar apaixonado pela irmã. Pena que o autor só lançou mais dois livros e depois de aposentou.

4. Vidas Secas (Graciliano Ramos)

É com muita simplicidade que esse grande autor de nossa literatura nos dá a história de uma família de retirantes e nos apresenta momentos de degradação moral daqueles personagens. Embora sejam fictícios, há muitos deles na vida real. Com um texto seco e direto, as situações que acompanhamos são brutas e parece não haver solução para aquela família senão o sofrimento e a eterna fuga.

5. A Metamorfose (Franz Kafka)

A situação surreal a que somos convidados a conhecer logo a partir das primeiras linhas do livro mais famoso de Kafka se torna ainda mais prazerosa pela qualidade de seu texto. A naturalidade com que ele conta a história do homem que acorda transformado em um inseto nos aproxima ainda mais da narrativa. Mas não se enganem, a história é densa. Metáfora perfeita de alguém que vive e se sente oprimido dentro do próprio lar.

Passo agora a corrente para André Setaro (Setaro's Blog), Renato Silveira (Cinematório), Wallace Guedes (Crônicas Cinéfilas), Roberto Queiroz (Claquete) e Gustavo Madruga (Cine Ôba). Se virem.


PS: Quase entram na lista O Caso dos Dez Negrinhos (Agatha Christie) e 1984 (George Orwell). Foi uma briga...


Postado por Rafael Carvalho

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Adeus aos mestres

Foi anunciada hoje a morte de um dos maiores cineastas da atualidade. Ingmar Bergman sai de cena aos 89 anos e deixa uma vasta obra para deleite de cinéfilos mundo a fora. Embora tenha se aposentado do cinema em 1982 com Fanny e Alexander, continuou trabalhando na televisão e no teatro onde iniciou sua promissora carreira. Mesmo assim, alguns de seus filmes para a TV forma lançados também na tela grande como seu último trabalho Saraband que resgata a história dos personagens de Cenas de um Casamento, série criada por ele próprio e lançada na TV em 73. Responsável por obras magistrais como Gritos e Sussurros, O Sétimo Selo, Sonata de Outono, Morangos Silvestres e Persona, o diretor sueco vai fazer falta, mas deixou, indiscutivelmente, a sua marca na história do Cinema.

E eis que o dia passa e mais uma baixa é anunciada no campo dos grandes cineastas. O italiano Michelangelo Antonioni também morreu nesse início de semana, exatamente no mesmo dia em que Bergman nos deixou. Responsável por uma obra apreciada no mundo todo, Antonioni começou a ser notado a partir do final da década de 50 por construir um estilo próprio e pelos vários prêmios com os quais foi agraciado nos maiores festivais do mundo (Cannes, Veneza e Berlim). É dele a trilogia da incomunicabilidade composta por A Aventura, A Noite e O Eclipse, que o elevou ao status de grande mestre do cinema. Depois, filmando em inglês, criou novas obras-primas como Blow Up – Depois Daquele Beijo e Profissão: Repórter. Outra perda irreparável, num mesmo dia. De fato, o começo da semana não foi nada agradável.

Postado por Rafael Carvalho

Visita ao Irã

Há algum tempo o cinema feito no Irã ganhou prestígio ao redor do mundo através de realizadores como Abbas Kiarostami, Mohsen Makhmalbaf, Majid Majidi e outros que estavam e ainda estão sempre presentes nos maiores e melhores festivais de cinema do planeta. Um desses grandes diretores é Jafar Panahi, que com seu estilo seco e objetivo, capta as contradições e mazelas de seu país. É dele os três filmes comentados abaixo que tive a oportunidade de ver recentemente e me admirei com sua qualidade em retratar os dramas pessoais daquele povo, imerso nunca cultura tão diferente da nossa.


O Círculo (Dayereh, IRA, 2000)


Com esse filme (Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2000), o diretor constrói um interessante exercício de estilo ao narrar a história de mulheres que saíram da prisão e precisam ser aceitas de volta na sociedade. A partir daí, o filme vai nos apresentando a outras personagens, cada qual com seus dramas, formando um círculo vicioso de degradação humana. Assim, a figura feminina, com sua fragilidade exposta num país que a reprime ao extremo, é o centro de discussão do longa. É angustiante ver aquelas personagens jogadas à própria sorte enquanto buscam uma direção a tomar. A história deixa sim muitas questões sem explicação exata, mas me parece ser um filme de perguntas, não respostas, com a evidente intenção de tocar numa ferida. E garanto que é uma experiência das mais gratificantes.


Ouro Carmim (Talaye Sorkh, IRA, 2002)


Ouro Carmim é uma narrativa sutil tendo como figura central um homem que vive do roubo durante o dia e à noite entrega pizzas nos bairros mais luxuosos da capital Teerã. A partir daí, Panahi escancara as diferenças entre ricos e pobres e ainda ataca o sistema político controlado pelo regime autoritário dos aiatolás. O filme começa com uma cena de roubo seguida do suicídio do próprio ladrão. A seguir, acompanharemos os fatos que levaram àquela situação. Há cenas longas que podem parecer chatas, mas se revelam bastante significativas para a história, como a seqüência da entrega de pizzas numa festa ou a quase surreal visita a um suntuoso apartamento. Momentos assim nos deixam estarrecidos pelo inusitado da situação e agraciados com o talento do diretor.


Fora do Jogo (Offside, IRA, 2006)


Lançado esse ano nos cinemas brasileiros, Fora do Jogo continua investindo na figura feminina, mas agora é também sobre a paixão ao futebol. Durante as eliminatórias para a Copa de 2006, a equipe do Irã briga por uma vaga no Mundial. Acompanhamos, assim, a história de algumas garotas, apaixonadas pelo esporte, que querem muito ver a partida, mas são barradas já que mulheres não são permitidas em estádios. Com um tom levemente documental, Panahi fez aqui um filme mais leve, embora não deixe de alfinetar o sistema, mais uma vez discutindo o papel da mulher em sua sociedade; e é através delas que testemunhamos, com alegria, a alegria de um povo diante de uma vitória.


Postado por Rafael Carvalho

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Amores parisienses

Paris, Te Amo (Paris, Je T'aime; FRA, ALE, SUI; 2006)
Cotação: 7/10



Pegue 22 talentosos cineastas de países diferentes, jogue-os na bela e apaixonante Paris e lhes peça que filmem uma curta história de amor. O resultado é um filme agradável com a maioria das histórias acima da média, principalmente se levarmos em consideração o pouco espaço de tempo que cada diretor tinha (os segmentos têm em média cinco minutos). E a própria idéia de reunir pessoas com visão e estilo diferentes com liberdade total para criar já é interessante por si só.

Composto por 18 curtas que recebem nomes de bairros e locais da capital francesa, Paris, Te Amo é um filme leve e, claro, diverso, mas que consegue se manter coeso e fiel à proposta original. As situações são as mais diversas: alegre, melancólicas, engraçadas, assustadoras. Amores se perdem, se transformam, resistem ao tempo; outros, à espera de concretização.











O filme começa mediano, mas vai se encontrando aos poucos. Montmartre abre o longa e sugere um encontro inusitado entre um sujeito angustiado e solitário com uma mulher que desmaia ao lado de seu caro. A diretora queniana Gurinder Chadha faz um jovem francês se enamorar por uma garota mulçumana, deixando clara a idéia de tolerância com a jovem em defesa de sua fé e os hábitos de sua religião. O humor irônico, inteligente e nonsense dos irmãos Coen surge com um Steve Buscemi, com cara de pateta, passando por maus bocados numa estação de metrô. Já Gus Van Sant, com muita simplicidade e sem exageros estéticos, nos dá a possibilidade de um relacionamento entre dois rapazes com uma surpresinha no fim, engraçada e interessante.

Como se trata de um filme episódico, há sempre alguns segmentos decepcionantes. Walter Salles (ele mesmo que eu adoro) em parceria com Daniela Thomas conta a luta de uma babá (Catalina Sandino Moreno) que precisa deixar seu filho numa creche para cuidar de outra criança. Ao fim, fica a sensação de que a história foi pouco aproveitada, embora seja muito bem dirigida. Mas até agora não sei como um curta tão idiota como Porte de Choisy, de Christopher Doyle foi parar aqui. O encontro entre uma modelo chinesa e um vendedor de produtos de beleza é totalmente dispensável e de mau gosto.

Maggie Gyllenhall está ótima na pele da atriz norte-americana viciada, filmada com a câmera nervosa de Olivier Assayas. Já a excelente Juliette Binoche é desperdiçada em Places des Victoires vivendo uma mãe que perdeu seu filho recentemente, numa história lúdica de superação; pena que os dois curtas não são tão bons quanto bem atuados. Lúdico mesmo é a história do mímico solitário que busca uma parceira pelas ruas de Paris e vai encontrar seu amor numa prisão. Em outro estranho ambiente, um clube de striptease, um casal em crise tenta acender a chama do amor, contando com a
presença em cena dos ótimos Fanny Ardant e Bob Hoskins.

Há algo de melancolicamente belo na história de um homem que precisa estar ao lado de sua mulher num momento difícil e precisa aprender a se reapaixonar por ela. Há também algo de cinicamente oculto no segmento enfocando o casal que decide se separar, mas deixa evidente o desentendimento entre ambos, mesmo que sutilmente (ótimos desempenhos de Ben Gazzarra e Gena Rowlands). Ambos os curtas são muito bem escritos, com texto elegante e enxuto. Pelo contrário, em Quartier de la Madeleine, não se diz uma palavra, mas Vincenzo Natali constrói muito bem o encontro bizarro de um garoto (Elijah Wood) com uma vampira.

Alfonso Cuarón, em um único plano-sequência, conta com simplicidade o bem-humorado encontro entre pai e filha, com direito a surpresa no final. Place de Fêtes, do africano Olivier Schmitz, por sua vez, é um interessante quebra-cabeça cujas peças vão dando conta do encontro fatídico entre um acidentado e uma enfermeira afro-descendentes de forma tocante. Wes Craven, acostumado a filmes de terror, surpreende com a discussão da relação de um jovem casal num cemitério, com direito a fantasma de Oscar Wilde (vivido por Alexander Payne). Mas é o diretor alemão Tom Tykwer quem cria um dos melhores segmentos do filme, com um rapaz cego cuja namorada (Natalie Portman, linda) decide romper o namoro. Passa, então, por sua cabeça todos os momentos bons por que passaram juntos. Esse me fez pensar o quanto é importante dar valor as coisas que temos antes que seja tarde demais.




E para finalizar o projeto, nada melhor que o melhor. Paris, Te Amo deixa para o final uma pequena pérola, em meio a tanta coisa boa. Alexander Payne, de forma primorosa, dá vida às peripécias de uma turista norte-americana um tanto burrinha. Primeiro, com alívio cômico (é hilária a cena em que ela visita o túmulo de Sartre), além de outras tiradas inteligentes, para no fim revelar a descoberta do amor de sua personagem pela cidade de forma simples e ao mesmo tempo tocante. É a celebração do amor em seu estado mais puro.


E aí, por qual deles vocês se apaixonaram mais?

Postado por Rafael Carvalho