quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Pura poesia em cena

Inicialmente gostaria de me desculpar por ter passado tanto tempo afastada do blog. A razão da minha ausência foi ter ocupado o meu tempo disponível estudando para um concurso. Senti muita falta e estou de volta!

Desculpas também pelo tamanho do texto abaixo! Ele foi reduzido de 4 a 2 páginas, mas continua grande. Para os que tiverem paciência: espero que gostem!

Lavoura Arcaica (Idem, 2001)
Dir: Luiz Fernando Carvalho
Lavoura Arcaica, adaptação do livro de mesmo nome de Raduan Nassar, conta a história de André, um dos cinco filhos de uma família libanesa que vive no Brasil. Tendo crescido em uma fazenda bucólica e imersa em costumes que justificam o título do filme, André se vê atormentado por sentimentos que contrariam todas as noções que lhe foram transmitidas por seu rígido pai. Realiza então a fuga que virá a definir os rumos de toda a família.

Pedro, o irmão mais velho do protagonista, é incumbido da missão de tentar trazer André de volta ao lar. A partir de então, se depara com o relato sofrido e violento do irmão mais novo que descarrega todas as suas angústias e segredos, desmontando diante de Pedro a imagem de uma família unida e imaculada que seu Pai lutara em construir.

É através da narrativa poética e verborrágica de André que o espectador mergulha no passado do personagem, pelos momentos da infância e adolescência na fazenda, e entende seus atos e sensações do presente. Nesse aspecto a montagem do filme foi tão bem trabalhada que faz com que as narrativas lentas de cada período sejam intercaladas de modo a não ficarem cansativas e prenderem a atenção todo o tempo.

Sentado sempre à cabeceira da mesa, o pai, personagem de Raul Cortez, reunia durante as refeições a mulher e filhos num ritual de submissão no qual lhes ensinava lições de sabedoria. Essa cena se repete várias vezes ao longo do filme e nas várias fases dos personagens, constituindo para André o grande elemento de hipocrisia de seu pai.

Já o carinho de sua mãe funciona como contraponto diante de toda essa frieza do pai, chegando a ser exacerbado e a insinuar conotações sexuais. O próprio André ressalta que “se o pai, no seu gesto austero, quis fazer da casa um templo, a mãe, transbordando no seu afeto, só conseguiu fazer dela uma casa de perdição”. Não fossem as demonstrações da mãe, talvez os filhos não encontrassem meio de fugir ao flagelo emocional ocasionado pelo pai. Também afirma “o galho da direita era um desenvolvimento espontâneo do tronco, desde as raízes; já o da esquerda trazia o estigma de uma cicatriz, como se a mãe, que era por onde começava, fosse uma protuberância mórbida pela carga de afeto”. È interessante observar que o “galho da direita”, além da presença da mãe, tinha a de André, Ana e Lula, todos personagens complexos e que desafiam a estrutura da casa.

A fotografia de Walter Carvalho é impecável. Na maioria do tempo alcança-se a sensação de utilização de luz local. De dia, a luz entrando pelas janelas da casa da fazenda ou pelas frestas da casa abandona dos fundos, sempre em tons amarelados, dão a sensação de antigüidade e diferem da luz encontrada fora de casa, em momentos mais claros e de contato com a natureza. Tal diferença também pode ser notada quando há a narração dos momentos de infância de André, onde prevalecem na fotografia os tons de branco.

A noite, por sua vez, é marcada quase que em todas as cenas por um tom sombrio, ocasionado pela luz proveniente de lamparinas e, num momento fortíssimo do filme, de uma lâmpada que o protagonista acende durante a conversa com o irmão. Destaque para a atmosfera criada na mesa do jantar, onde uma lamparina ilumina precariamente os integrantes da mesa e tudo ao redor é um completo e angustiante breu.

Outro aspecto que chama a atenção no filme é a grande utilização de closes. Cada detalhe, principalmente os momentos de contato físico entre os personagens, são enfocados pelo diretor. Tal característica parece sugerir um mergulho ainda maior nas relações humanas do filme. Este recurso é também utilizado nas diversas cenas em que os pés de André são filmados: tirando os sapatos, sentindo o chão, roçando entre as folhas.

A trilha sonora do filme é marcante. Predominantemente composta por instrumento de cordas, ela é melancólica em alguns momentos e agitada em outros - principalmente nos de festa em que prevalecem as canções de origem árabe. Há, no entanto, nos momentos de alta tensão do filme, a bela utilização de acordes intensos ou simplesmente do silêncio para conferir às cenas um grau de densidade que corresponda à intensidade que cada cena requer.

Cabe ressaltar o memorável trabalho dos atores envolvidos no filme. Selton Mello despe-se de todos os tipos que poderiam compor um “André” estereotipado e mergulha no personagem de forma entregue e, por que não, visceral. Simone Spoladore, que sem dizer uma palavra sequer, transmite com maestria toda a ambigüidade da personagem Ana. Com roupas claras e leves que pressupõem pureza, e beleza avassaladora e misteriosa, conseguimos sentir a cada cena o sentimento exato que permeia a mente de sua personagem. Juliana Cordeiro da Cunha, a mãe, também surpreende pela sua expressão marcada e de poucas palavras.

O desfecho é surpreendente e faz valer à pena esperar os longos 163 minutos da película.

Postado por Andressa Cangussú

12 comentários:

dicaspraticasdeviagens disse...

"(...)Simone Spoladore, que sem dizer uma palavra sequer, transmite com maestria toda a ambigüidade da personagem Ana(...)"

Opaaaa, essa frase é minha!
auahhahahahha
Filminho muito bom!!!
o/

Leticia Gabriela disse...

Demorei a assistir Lavoura Arcaica pela incrível demora q o filme teve em chegar nas locadoras.Luis Fernando Carvalho é mestre em adaptações e mesmo com toda a limitação que a tv impõe ele cria obras q conseguem ser superiores a muitos longas como Os Maias e Hoje é dia de Maria.Essa primeira tentativa dele no cinema é fantástica e Simone Spoladore é fora do comum.Uma das melhores e mais subestimadas atrizes nacionais.Pena que Olga caiu nas mão do Monjardim,antes o programado era para a direção ser de Carvalho com Patricia Pillar como protagonista.Espero que ele faça mais filmes...

Wanderley Teixeira disse...

A melhor referencia de Luis Fernando carvalho que tenho é por Os Maias,gosto muito do livro e a adaptação é maravilhosa.Lavoura Arcaica tem a mesma poesia q o diretor oferece em suas direções,Spoladore e Mello são show a parte e traduzem seus persoangens unicamente.Esse sim é o cinema nacional de qualidade!

Wiliam Domingos disse...

Arrasou miojogirl!
mto bom o texto!
Preciso ver este filme em breve, mas antes vou ler o livro!
Certamente irei me apaixonar por tudo, nossa tantos pontos técnicos que admiro e uma história comovente...tudo em um filme só!
hiahai
bjooo!
xD

Anônimo disse...

opa! tb andava meio sumido, a facul "come" bastante tempo...
mas sabe que eu não consigo gostar de Lavora... sei lá, eu o acho muito pretencioso (coincidentemenente acabei de ler uma matéria sobre o filme em uma evista Época de 2002, imagina só...). Parece muito metido a intelectualóide, cabeção, ams sei que talvez pode ser uma resistência minha ao filme. Tenho que rever, mas não consigo me desvincular da imagem e lembrança de chateação que o filme em causou.
abraços

Gustavo H.R. disse...

Esse é um dos poucos filmes nacionais que tem cara de obra-prima, status do qual ele já goza.
Os pontos positivos que você destacou me fazem querer comprar o novo DVD duplo, mas que infelizmente não é otimizado para televisores widescreen.

Cumps.

Dr Johnny Strangelove disse...

Um ... agora que vão lançar a edição especial ... estou realmente ansioso para ver esse filme ...
abraços

Alex Gonçalves disse...

Nunca tive muito tempo para alugar o filme (pela metragem, fica difícil assistir com tranquilidade num corrido final de semana), mas me interesso muito pela produção, que deve, ou já ganhou, uma edição especial em DVD.

Anônimo disse...

O texto ficou bala Dede, muito bom mesmo. E o filme é sem comentários, obra-prima indiscutível do nosso cinema. Tomara que o Luis Fernando Carvalho já esteja preparando um outro filme. Eu só não entendi essa do Wiliam de Miojogirl, como assim? Bjs!!!

Art in Shapes disse...

Acabei de assistir ao filme. Impressionante! Havia lido o livro há alguns anos e posso dizer que o filme chega a ser tão bom ou até melhor que o original de Raduan. Parabéns pelo texto! Bjs

Unknown disse...

é, simplesmente, o filme brasileiro mais lindo!!!

Unknown disse...

Nossa, esse livro marcou tanto a minha vida, mas tanto, que tenho uma relação mal estabelecida com o filme, que ainda não vi. Sei da existência dele, mas mantenho certa distância.

Porém, está nos meus planos vê-lo. O time por trás das câmeras é sensacional, como você relatou aí na sua resenha. Walter Carvalho é mestre!

Abs.

PS: se você não leu o livro, vale a pena! A linguagem é completamente inovadora, décadas após a sua publicação.