Inicialmente gostaria de me desculpar por ter passado tanto tempo afastada do blog. A razão da minha ausência foi ter ocupado o meu tempo disponível estudando para um concurso. Senti muita falta e estou de volta!
Desculpas também pelo tamanho do texto abaixo! Ele foi reduzido de 4 a 2 páginas, mas continua grande. Para os que tiverem paciência: espero que gostem!
Lavoura Arcaica (Idem, 2001)
Dir: Luiz Fernando Carvalho

Lavoura Arcaica, adaptação do livro de mesmo nome de Raduan Nassar, conta a história de André, um dos cinco filhos de uma família libanesa que vive no Brasil. Tendo crescido em uma fazenda bucólica e imersa em costumes que justificam o título do filme, André se vê atormentado por sentimentos que contrariam todas as noções que lhe foram transmitidas por seu rígido pai. Realiza então a fuga que virá a definir os rumos de toda a família.
Pedro, o irmão mais velho do protagonista, é incumbido da missão de tentar trazer André de volta ao lar. A partir de então, se depara com o relato sofrido e violento do irmão mais novo que descarrega todas as suas angústias e segredos, desmontando diante de Pedro a imagem de uma família unida e imaculada que seu Pai lutara em construir.
É através da narrativa poética e verborrágica de André que o espectador mergulha no passado do personagem, pelos momentos da infância e adolescência na fazenda, e entende seus atos e sensações do presente. Nesse aspecto a montagem do filme foi tão bem trabalhada que faz com que as narrativas lentas de cada período sejam intercaladas de modo a não ficarem cansativas e prenderem a atenção todo o tempo.
Sentado sempre à cabeceira da mesa, o pai, personagem de Raul Cortez, reunia durante as refeições a mulher e filhos num ritual de submissão no qual lhes ensinava lições de sabedoria. Essa cena se repete várias vezes ao longo do filme e nas várias fases dos personagens, constituindo para André o grande elemento de hipocrisia de seu pai.

Já o carinho de sua mãe funciona como contraponto diante de toda essa frieza do pai, chegando a ser exacerbado e a insinuar conotações sexuais. O próprio André ressalta que “se o pai, no seu gesto austero, quis fazer da casa um templo, a mãe, transbordando no seu afeto, só conseguiu fazer dela uma casa de perdição”. Não fossem as demonstrações da mãe, talvez os filhos não encontrassem meio de fugir ao flagelo emocional ocasionado pelo pai. Também afirma “o galho da direita era um desenvolvimento espontâneo do tronco, desde as raízes; já o da esquerda trazia o estigma de uma cicatriz, como se a mãe, que era por onde começava, fosse uma protuberância mórbida pela carga de afeto”. È interessante observar que o “galho da direita”, além da presença da mãe, tinha a de André, Ana e Lula, todos personagens complexos e que desafiam a estrutura da casa.
A fotografia de Walter Carvalho é impecável. Na maioria do tempo alcança-se a sensação de utilização de luz local. De dia, a luz entrando pelas janelas da casa da fazenda ou pelas frestas da casa abandona dos fundos, sempre em tons amarelados, dão a sensação de antigüidade e diferem da luz encontrada fora de casa, em momentos mais claros e de contato com a natureza. Tal diferença também pode ser notada quando há a narração dos momentos de infância de André, onde prevalecem na fotografia os tons de branco.
A noite, por sua vez, é marcada quase que em todas as cenas por um tom sombrio, ocasionado pela luz proveniente de lamparinas e, num momento fortíssimo do filme, de uma lâmpada que o protagonista acende durante a conversa com o irmão. Destaque para a atmosfera criada na mesa do jantar, onde uma lamparina ilumina precariamente os integrantes da mesa e tudo ao redor é um completo e angustiante breu.
Outro aspecto que chama a atenção no filme é a grande utilização de closes. Cada detalhe, principalmente os momentos de contato físico entre os personagens, são enfocados pelo diretor. Tal característica parece sugerir um mergulho ainda maior nas relações humanas do filme. Este recurso é também utilizado nas diversas cenas em que os pés de André são filmados: tirando os sapatos, sentindo o chão, roçando entre as folhas.

A trilha sonora do filme é marcante. Predominantemente composta por instrumento de cordas, ela é melancólica em alguns momentos e agitada em outros - principalmente nos de festa em que prevalecem as canções de origem árabe. Há, no entanto, nos momentos de alta tensão do filme, a bela utilização de acordes intensos ou simplesmente do silêncio para conferir às cenas um grau de densidade que corresponda à intensidade que cada cena requer.
Cabe ressaltar o memorável trabalho dos atores envolvidos no filme. Selton Mello despe-se de todos os tipos que poderiam compor um “André” estereotipado e mergulha no personagem de forma entregue e, por que não, visceral. Simone Spoladore, que sem dizer uma palavra sequer, transmite com maestria toda a ambigüidade da personagem Ana. Com roupas claras e leves que pressupõem pureza, e beleza avassaladora e misteriosa, conseguimos sentir a cada cena o sentimento exato que permeia a mente de sua personagem. Juliana Cordeiro da Cunha, a mãe, também surpreende pela sua expressão marcada e de poucas palavras.
O desfecho é surpreendente e faz valer à pena esperar os longos 163 minutos da película.
Postado por Andressa Cangussú