quarta-feira, 30 de maio de 2007

Gêmeos distantes

A Conquista da Honra (The Flags of Our Fathers, EUA, 2006)
Dir: Clint Eastwood
Cotação: 7/10

Cartas de Iwo Jima (Letters From Iwo Jima, EUA, 2006)
Dir: Clint Eastwood
Cotação: 9/10



É louvável ver que Hollywood, mesmo com todos os seus defeitos, financia projetos tão interessantes quanto os dois últimos filmes de Clint Eastwood, um dos maiores cineastas norte-americanos da atualidade (a moral que ele possui junto à grande indústria também ajuda bastante). Dessa vez, o diretor se utiliza de dois filmes para contar uma mesma história: a batalha na ilha de Iwo Jima ao fim da Segunda Grande Guerra.

A Conquista da Honra e Cartas de Iwo Jima são filmes gêmeos, gerados pela mesma idéia e concebido por um pai cuidadoso com suas crias. O primeiro, sobre o lado norte-americano do conflito e o outro com foco na luta dos japoneses. Mais interessante ainda é perceber o quanto o lado nipônico do conflito parece ter uma carga maior de sensibilidade, marca registrada desse autor que é capaz de conferir delicadeza a suas histórias sem perder o tom de masculinidade que lhe são tão peculiares.

O que importa para o diretor nem é o desenvolvimento do conflito e sim os percursos de seus personagens. Depois de serem fotografados erguendo a bandeira do EUA após a vitória sobre a ilha japonesa, três soldados ficam famosos no país, símbolos da coragem daqueles que lutaram na guerra. No entanto, são surpreendidos quando perceberem que farão parte de uma grande jogada de marketing para que o governo possa arrecadar mais dinheiro, se aproveitando de suas imagens heróicas. Em A Conquista da Honra, aqueles soldados procuram preservar sua dignidade, em nome daqueles que realmente mereceram, trazendo consigo as lembranças atrozes de uma guerra, num país onde o culto aos heróis é também mais uma forma de lucro.

E é uma pena que na parte final a história se arraste de uma forma monótona, caindo na armadilha de nos forçar a ter compaixão por aqueles homens (principalmente o descendente indígena). Paira no ar uma tentativa de fazer justiça aos personagens, e aí o filme cai num didatismo, explicando, em off, os rumos tomados por cada um. O que não deixa de ser uma frustração vindo de um cara que já nos deu recentemente o ótimo Sobre Meninos e Lobos e o belíssimo Menina de Ouro.

Coisa muito diferente acontece em Cartas de Iwo Jima, que mesmo versando sobre o lado perdedor do conflito, não se aproveita para extrair piedade daquela situação. Com muito respeito, o diretor constrói uma narrativa sóbria e delicada, sem exageros ou maniqueísmos. Falado em japonês, o que transmite veracidade ao projeto, o filme é uma bela homenagem aos que deram seu sangue por uma causa que, chegando a um determinado ponto, já se considerava perdida.

Para dar dimensão aos dramas dos personagens, o filme se utiliza das diversas correspondências (as cartas do título) que chegam e saem da ilha. Não posso deixar de destacar a cena em que os soldados japoneses lêem a carta de um inimigo morto enviada por sua mãe e percebem que as preocupações e incertezas são as mesmas dos dois lados. Assim, Cartas de Iwo Jima desponta como um dos melhores filmes do ano, na minha modesta opinião.

Tecnicamente, ambos os filme são impecáveis, com uma fotografia em tom sépia belíssima. Nas batalhas, por exemplo, a fotografia escurece de tom chegando quase ao preto-e-branco, o que acentua a atmosfera carregada da situação. A qualidade do som também é um outro atrativo que acentua bastante a forma visceral com que as batalhas são filmadas.

Além disso, o diretor aproveita para criar contrapontos interessantes entre os filmes: o hasteamento da bandeira, os corpos mutilados dos suicidas japoneses, e o melhor deles, a violência brutal com que um homem pode matar um outro ser humano, visto com horror de ambos os lados do conflito. Conflito este tão bárbaro quanto qualquer outro e cujos participantes receberam tratamento digno e privilegiado pelas mãos de um verdadeiro autor.

Postado por Rafael Carvalho

8 comentários:

Wiliam Domingos disse...

Bélissimo post! Boas palavras...
Ainda não vi nenhum dos dois filmes, mas a maestria de Clint é algo realmente indiscutivel!
Excelente idéia da assimilação entre os filmes...
Sobre a estrutura técnica do filme, na minha opinião o visual e o sonoro são pontos que engradecem até mesmo coisas fúteis! O tom de sépia é algo deslumbrante, e o preto e branco é perfeito para a guerra...
Enfim...Clint sabe como fazer e entende o que está fazendo, em "Sobre Meninos e Lobos" isto é fato!

Abraçooo
http://eco-social.blogspot.com/

Dr Johnny Strangelove disse...

Preciso ver
infelizmente não pude ver esses dois filmes na telona
e o que vc fez foi importante por que determinados filmes funcionam quando se veem juntos, onde o impacto da produção fica bem mais forte e belo

preciso fazer isso com esse filme
abraços

Gustavo H.R. disse...

Eis um exemplar de projeto ousado e nobre de Eastwood e Spielberg, não obteve retorno financeiro mas que, como você apontou, mostra que os poderosos de Hollywood não vivem só de superproduções rasas. IWO JIMA sempre pareceu o melhor da dupla mesmo.
Como nenhum dos dois chegou às salas da minha cidade, pretendo comprar direto o box com ambos, que já está em pré-venda.

João Micuansky disse...

Acho que "Cartas de Iwo Jimma" não é somente o melhor dos dois, mas sim o melhor trabalho de Eastwood como diretor.

Os: A crítica de Piratas do Caribe 3 já está no Blog.

Até mais.

Anônimo disse...

Dei a mesma nota par ao filme no mês passado. Um trabalho de que prova - ou reafirma - mais uma vez a maturidade de Clint na direção.
abraço! (post com prêmios da cafeteria de maio)

Alex Gonçalves disse...

No início de 2006, esta ousada realização de Clint Eastwood me pareceu muito interessante, mas após trailers de materiais de divulgação, não me empolguei em ver essas duas versões de um mesmo fato. Acredito que este "A Conquista da Honra" caminhe para o mesmo percurso de outros filmes de guerra esquecíveis, mas "Cartas de Iwo Jima" expressa mais emoção e reflexão. Aguardo em DVD.
Excelente semana.

Otavio Almeida disse...

Gosto muito dos 2 filmes. Acho que prefiro CARTAS DE IWO JIMA. Dois filmaços.

Abs!

Ronald Perrone disse...

Muito bom esse post. Quanto aos filmes, gostei dos dois filmes, mas acho Cartas uma verdadeira obra prima. Um dos melhores filmes do ano. Já o Conquista da Honra, o velho Clint deixou a desejar... mas continua valendo...